Maré de dentro:
Arte, Cultura e Política no Rio de Janeiro
Maré de Dentro é uma exposição visual e textual interativa que surge da colaboração entre artistas, ativistas e pesquisadores brasileiros e americanos. Ela apresenta imagens raramente capturadas sobre a vida dos moradores da Maré, um complexo de 16 favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro. A exposição mostra a diversidade e a criatividade dos residentes dessas comunidades, ao mesmo tempo em que expõe as barreiras que eles enfrentam em seu dia a dia. Ao fazer isso, a Maré de Dentro desafia narrativas estigmatizantes e sugere a necessidade de novas estratégias políticas e culturais capazes de romper os ciclos de exclusão e marginalização vividos pelas comunidades de favela. Para ler mais sobre a exposição, confira o livro que ela acompanha, disponível gratuitamente aqui.
A exposição está atualmente na Newman Library no campus Virginia Tech em Blacksburg, Virginia, até 30 de setembro de 2021. Os retratos de família estão localizados no 2º andar e as 26 fotografias de rua e 3 documentários estão no 1º andar.
A Exposição
A Maré de Dentro é composta por 30 retratos de famílias, 26 fotografias de rua, entrevistas com 4 das famílias fotografadas e 3 documentários. As fotografias baseiam-se nas experiências e reflexões de Antonello Veneri, fotojornalista italiano, e Henrique Gomes, produtor cultural e morador do Complexo da Maré. Os artistas colaboraram com 30 famílias com o objetivo de criar uma representação visual intimista de suas casas. Juntos, os retratos capturam de forma respeitosa e não fetichizada as diversas identidades humanas, familiares e urbanas das comunidades da Maré.
A exibição também apresenta 30 fotografias de rua com curadoria de Henrique e tiradas por Antonello durante um período de significativa mudança social, quando as Forças Armadas invadiram a Maré por 15 meses, nas vésperas da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016. Três curtas-metragens acompanham as fotografias: Ocupação, Vida de uma menina e Headbanging na casa de Deus. Os curtas retratam a vida cotidiana na Maré e abordam questões de raça e racismo, religião e violência. Entrevistas adicionais gravadas com quatro das famílias fotografadas capturam como elas se lembram desse período de suas vidas e documentam seus pensamentos e sentimentos sobre serem representados dessa forma.
entrevistas com famílias fotografadas
Favelas do Rio de Janeiro
Hoje, cerca de 20% dos 6,7 milhões de habitantes do Rio de Janeiro vivem em mais de 1.000 favelas de diferentes tamanhos, algumas com centenas de moradores e outras com mais de cem mil residentes, espalhadas por toda a cidade, das zonas mais nobres às periferias do Rio.As favelas não são “guetos”, “slums” ou “shantytowns”, como são muitas vezes traduzidas para o inglês, pois a maioria consiste em aglomerados de casas de tijolo e concreto de vários andares, com água encanada, eletricidade, coleta de lixo e acesso à internet, mesmo que insuficiente. As favelas são locais de vibrante produção artística e cultural, de autossuficiência e mobilização política.
Artistas e músicos de favela são os criadores de várias tradições culturais brasileiras e cariocas, como o carnaval e o samba. Os moradores de favela também desenvolveram respostas locais e autônomas para lidar com a dificuldade de acesso aos seus direitos, tais como à propriedade, aos serviços públicos e à infraestrutura. A nível nacional, os movimentos sociais de favela foram importantes atores nas mobilizações populares que levaram ao fim da Ditadura Militar (1964-1985) e deram início ao processo de redemocratização do Brasil. Mesmo assim, os moradores das favelas continuam sendo alvos de preconceito e de discriminação e as favelas são frequentemente mal representadas como áreas de miséria, do vício e da criminalidade, tanto no Brasil quanto no exterior.
Complexo da Maré
A Maré é o maior conjunto de favelas do Brasil, com 140.000 habitantes. Nela se encontram diversos povos afrodescendentes, migrantes nordestinos, vários grupos étnicos e religiosos e imigrantes de 15 países. O Complexo da Maré é um conjunto de bairros vibrantes, cada um com histórias distintas, porém interligadas, e com diversas formas de produção cultural e artística, bem como movimentos sociais poderosos. Portanto, é o dinamismo, a resiliência e a permanência dos seus moradores que definem a Maré. Por exemplo, o Complexo e suas várias comunidades sempre desempenharam um papel importante na política da cidade e do Brasil, sendo internacionalmente reconhecido como lugar onde Marielle Franco, a amada vereadora carioca tragicamente assassinada em março de 2018, viveu. Entretanto, os moradores da Maré há muito tempo enfrentam tanto a negligência quanto a violência do estado. Grande parte da vida na comunidade é, portanto, marcada pela desigualdade e pela inadequação de sua infraestrutura e dos serviços sociais. Ao mesmo tempo, assim como outras comunidades da classe trabalhadora e afrodescendentes, desde sua formação no início do século XX, a Maré tem sido alvo da violência policial. Para saber mais sobre a história e o desenvolvimento da Maré, consulte os materiais disponíveis no Museu da Maré e no Museu da Imagem Itinerante da Maré.
Policiamento no Rio de Janeiro
Desde os anos 1980, as favelas do Rio se encontram no epicentro de uma “guerra” literal e simbólica “contra as drogas” e são alvo das práticas cada vez mais repressivas e menos preventivas de uma polícia extremamente militarizada. No contexto das preparações para a Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o governo do Rio lançou um novo programa de segurança pública, as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). As UPPs visavam restabelecer o domínio do estado nas comunidades até então sob o controle das facções e das milícias, por meio da instalação de unidades de policiamento comunitário e de programas sociais. Na Maré, porém, o policiamento comunitário nunca chegou. Em vez disso, de abril de 2014 a julho de 2015, 2.500 militares ocuparam o Complexo. Durante os 16 meses de ocupação, as tropas patrulharam as ruas da Maré 24 horas por dia, instalaram postos de controle e frequentemente paravam e revistavam os residentes, especialmente jovens negros. Para saber mais sobre a ocupação da Maré, clique aqui.
Nos anos após as Olimpíadas, o governo do Rio chegou à beira da falência, exigindo enorme auxílio federal para pagar seus funcionários públicos, inclusive policiais. Nesse contexto, o programa de “pacificação” entrou em crise. Desde então, a violência policial continua aumentando. Em 2018, a polícia do Rio foi responsável por 1.534 homicídios, logo ultrapassando esse recorde em 2019, quando o número de mortes por intervenção policial chegou a 1.814. Em comparação, em todo os Estados Unidos, a polícia cometeu 992 homicídios em 2018 e 999 em 2019. Para os moradores da Maré, essa violência, que persiste há várias décadas, é fonte contínua de sofrimento e trauma. Nesse contexto, ao focar na vida dos moradores e não apenas na violência ou crime que ocorre ao seu redor, a Maré de Dentro desafia as narrativas predominantes e sensacionalistas sobre as favelas. Ela também nos permite compreender de maneira profunda como os moradores da Maré são capazes não apenas de resistir e sobreviver a essas circunstâncias difíceis, mas também, sobretudo, de prosperar e viver suas vidas além da violência e da precariedade. Para aprender mais sobre segurança pública na Maré e sobre as diversas formas de mobilização local contra o abandono estruturado e a repressão do estado, veja o trabalho da ONG Redes da Maré aqui. Para mais informações sobre militarização e policiamento no Rio e na Maré, consulte o livro que acompanha a exposição Maré de Dentro, que pode ser baixado aqui.
Créditos
Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer a todas as famílias que abriram suas casas e receberam o Henrique e o Antonello com tanto carinho e acolhimento. São elas que nos inspiram a seguir ouvindo, aprendendo e construindo novos saberes. Esta exposição também foi possível com financiamento generoso e apoio de:
Para obter mais informações sobre esta exposição e exposições nas Bibliotecas da Virginia Tech University, entre em contato com Scott Fralin, safralin@vt.edu